Segesta Editora

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REVISTA Sociedade Brasileira de Economia Política, Rio de Janeiro, n° 12, p. 133-142, junho 2003

AMAURY PATRICK GREMAUD
Professer Doutor do Departamento de Economia da FEA-RP — USP

Um novo alento para a História do Pensamento Econômico no Brasil

Chega a ser surpreendente o arrojo de uma nova editora paranaense — a Segesta Editora. Nos últimos três anos, editou obras importantes do pensamento econômico mundial: textos clássicos que aparecem pela primeira vez traduzidas para o português no Brasil. A iniciativa é um alento para os estudiosos de História do Pensamento Econômico e de Economia Política no pais, assim como para os interessados na abordagem de uma série de questões atuais a partir da recuperação de problemáticas e interpretações existentes nos tratados clássicos da economia.

A série — de até agora quatro livros publicados — possui como eixo, além da originalidade, ser composta por textos que fazem parte daquilo que poderíamos denominar “criação da Economia Polîítica” e que abordam temas monetários. Estes, mesmo que analisados há quase quatrocentos anos, não perderam sua atualidade. A mais recente aparição nesta coleção é o “Breve Tratado” do italiano Antonio Serra, publicado originalmente em 1613. Observando o nome complete da obra — Breve tratado das causas que podem fazer os reinos desprovidos de minas terem abundância de ouro e de prata — percebe-se que, para além de suas obvias filiações mercantilistas, ela trata de temas atuais como os problemas de desequilíbrio do Balanço de Pagamentos e possui abordagens interessantes, como veremos adiante, do papel dos instrumentos cambiais e monetários para enfrentar tais desequilíbrios.

A série se iniciou no ano 2000 com a edição, em conjunto com a paulista Editora Musa, do clássico tratado de outro napolitano o abade Ferdinando Galiani — Da Moeda — que veio a público, originalmente, em 1751. Alias, promete-se ainda para 2003, a publicação de outro trabalho do mesmo autor, escrito na França em 1770 — Dialogues sur le comerce des bleds — acerca dos debates franceses concernentes à liberação das exportações de grãos. Nesta obra que se tornou bastante popular na época, Galiani mostra-se um crítico da fisiocracia, pois, além de negar a existência de uma única fonte de riqueza, também se opõe as abstrações excessivas feitas por aquela escola de pensamento, relativizando políticas que, se podem ser adequadas a determinados países, não necessariamente podem ser aplicadas a outros que possuam contextos e institucionalidades diferentes.

Vários tópicos, especialmente os relativos à teoria do valor e a questões monetárias, são abordados no Da Moeda de Galiani (1728-1787). Apesar de este autor não ser o primeiro a enfrentar o famoso “paradoxo do valor”, o fez de maneira bastante clara. O valor das mercadorias para Galiani não lhes é inerente, é definido como a relação de equivalência subjetiva entre uma quantidade de determinada mercadoria e uma quantidade de outra. Em um primeiro momento este valor é explicado pela interação entre a utilidade (o prazer ou o bem estar insaciável) e a escassez. Neste ponto existe uma clara noção dos conceitos de interdependência (a demanda regulando e sendo regulado pelos preços) e de equilíbrio. O autor, porém, passa, ao longo do texto, do conceito de escassez para o de trabalho como fundamento daquilo que valoriza as mercadorias, colocando-se assim dentro da tradição que conduzirá a Smith e, sobretudo, a Ricardo e Marx.

Metodologicamente, Galiani desenvolve um processo de aproximações sucessivas da realidade bastante interessante. Por exemplo, ele parte de uma construção hipotética de sociedade de produtores e consumidores bastante simples, sem moeda, e, aos poucos, vai modificando esta sociedade de modo a aproximar-se da sociedade real. Neste processo os fundamentos da sociedade são revelados, assim como os efeitos causados pelo governo (impostos), pela moeda etc. No que tange justamente as questões monetárias, mesmo Galiani se apresentando como um metalista convicto, ao sustentar teses que se aproximam da teoria quantitativa da moeda, acaba por reconhecer que, depois de uma elevação da oferta de moeda, até que o novo equilíbrio seja atingido, existem possíveis efeitos reais durante o processo.

O segundo livro da série, publicado em 2001, também em co-edição com a Editora Musa e que tem por titulo Economistas Políticos, é uma coletânea de textos organizados, apresentados e anotados por Pedro de Alcântara Figueira.

Nesta coletânea encontramos algumas obras que, segundo o organizador, exemplificam as vicissitudes do surgimento e da consolidação da Economia Política no embate contra as concepções ditas feudais prevalecentes até então. O livro inaugura sua coleção de escritos com algumas passagens de Adam Smith das suas Lectures of Jurisprudence — intituladas pelo organizador de Esboço Primitivo de A Riqueza das Nações — em que se apresentam algumas passagens importantes e a própria montagem de parte de A Riqueza das Nações. Nestas passagens percebe-se a importância dada ao trabalho e à liberdade pela Economia Política smithiana. Outro autor renomado da Economia Política encerra o volume: são dois rascunhos, ambos intitulados Valor Absoluto e Valor de Troca, escritos por David Ricardo, o primeiro em 1817 e o segundo deixado inacabado em 1821. Ambos demonstram os esforços empreendidos por Ricardo na analise desta questão e as dificuldades com que se defrontava, por exemple, a da medida invariável do valor.

Antes destes rascunhos de Ricardo, encontramos dois pequenos textos de Turgot. Primeiro uma curta carta de 1766, endereçada a Dupont de Nemours, em que o autor tece fortes críticas ao destinatário, o qual deveria, segundo Turgot, ao invés de afirmar a esterilidade do setor industrial, criticar os entraves que são impostos ao seu bom funcionamento, ao fazê-lo Turgot acaba por fazer uma defesa da economia de mercado livre e concorrencial. Em seguida há um escrito de 1759, intitulado Elogio de Vincent de Gournay, na verdade um obituário, no qual os mesmos temas — a defesa da concorrência e da liberdade de comércio e de empreendimento — reaparecem.

Em boa parte do livro publica-se uma série de textos relativamente pequenos acerca de questões monetárias: o até então inédito em português opúsculo de William Petty — Quantulumcunque sobre o dinheiro — escrito em 1682 e publicado em 1695. Também o importante Discurso acerca da cunhagem de uma moeda mais leve em resposta as consideraçôes de Locke sobre a evoluçao do valor do dinheiro de Nicholas Barbon, escrito em 1696; na sua controvérsia com Locke, Barbon defendia a redução das taxas de juros. Do Francês Pierre de Boisguilbert existe um texto, de 1707, Causas da Escassez do dinheiro e esclarecimento sobre raciocmios defeituosos do pùblico sobre esta matéria, além de uma Carta ao Contrôleur Général escrita em 1700. Muito do pensamento deste autor é conhecido pela grande coleção de cartas que este enviava as autoridades francesas. De Benjamim Frankiin traduziu-se um texto escrito em 1729, intitulado Modesta Investigação sobre a Natureza e Necessidade do Papel-Moeda, no qual é discutida a possibilidade de papel moeda colonial. Da Enciclopedie de Diderot e D'Alembert apresentam-se dois verbetes, o primeiro Finanças, do colaborador Pesselier, e Agricultor, onde podem ser observadas tinturas claramente fisiocrâticas da Enciclopedie.

Deve ser destacada a importância da publicação destes textos em Economistas Políticos, porém apesar de lima interessante apresentação geral do livro acerca do surgimento da disciplina e de curtas apresentações para cada autor e seus textos, estas esclarecem pouco sobre o contexto e as circunstâncias nas quais foram escritos, o que dificulta a sua localização e efetiva compreensão por estudiosos menos avisados sobre o tema e os autores envolvidos.

Em 2002, surge a terceira publicação, desta vez apenas da Segesta Editora. Trata-se de outro clássico que já fazia há muito por merecer uma edição brasileira, é o Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral de Richard Cantillon, que apareceu a público pela primeira vez em 1755. Até o ano de nascimento de Cantillon é controverso (a data mais aceita é a década de 1680), assim como sua vida. Aparentemente, este irlandês tornou-se um rico financista que fez fortunas sob as regras impostas por Law, mas que teve muitos problemas com as cortes de justiça, terminando por ser assassinado, provavelmente pelo seu cozinheiro em 1734. A obra agora publicada no Brasil, porém, s6 veio a público mais de 20 anos depois de sua morte.

O trabalho de Cantillon agora publicado revela sua aproximação com a fisiocracia, já que fundamenta a terra como fonte da riqueza, mesmo que ela deva ser trabalhada, e afirma que a manutenção de todas as classes de um pais acaba, em última instancia, por recair sobre a classe proprietária. Interessante notar que seu trabalho é resgatado atualmente por alguns analistas, nos estudos ligados ao empreendedorismo Nas questões monetárias aparece a idéia de circulação da moeda dentro de uma possível teoria quantitativa da moeda. Neste ponto é interessante notar que em Cantillon também, apesar de nele prefigurar a teoria quantitativa, destaca-se um possível efeito real, neste caso em função de, no processo inflacionário, existir potencial mudança nos preços relativos.

O livro mais recente publicado, como já dissemos, é Breve tratado das causas que podemfawr os reinos desprovidos de minas terem abundância de ouro e de prata, do napolitano Antonio Serra. O livro foi escrito em 1613, segundo Spiegel, quando o autor encontrava-se encarcerado em função de problemas envolvendo a cunhagem de moedas. Serra dedica o Tratado ao Vice-Rei de Nápoles, talvez com a esperança de obter a liberdade, mas não teve boa acolhida. S6 em 1617 foi chamado por outro Vice-Rei para apresentar suas idéias, voltando logo em seguida para o cárcere.

O ponto principal do livro é a contestação da tese, do então influente Marco Antonio De Santis, de que a escassez de moeda metálica em Nápoles se devia a problema de câmbio elevado e que, para entrar mais metais em Nápoles (o que significava, dentro das concepções mercantilistas de então, aumentar a riqueza do Reino), era necessário baixà-lo. Ao fazer a contestação das idéias de De Santis, Serra se vale de um ponto difícil de ser abordado na época, qual seja, a concepção do Balanço de Pagamentos incluindo os “invisíveis” e a balança de capitais. Serra afirma que o problema da falta de metais em Nápoles se devia à remessa de recursos decorrentes de ganhos de rendimentos e do comércio que estrangeiros faziam em Nápoles e não ao nível da taxa de cambio.

Ao tentar explicar a situação do Balanco de Pagamentos, vale-se de uma analise geral das condições que determinam o estado de um organismo econômico. O Tratado de Serra estuda essencialmente os fatores dos quais depende a abundância não só de moeda, mas de bens. Dentre estes fatores destacam-se os recursos naturais disponíveis, a qualidade e diligencia da população, o grau de desenvolvimento da indústria e do comércio e a eficácia do governo. Neste sentido, encontra-se a interessante idéia (para a época) da superioridade da indústria sobre agricultura, pois a primeira envolve graus de risco menores, e como não trabalha com um fator fixo, pode multiplicar-se com proporcionalmente menos gastos. Neste ponto sugere uma lei de rendimentos crescentes. Schumpeter, na História da Analise Econômica, acredita que se deve reconhecer em Antonio Serra o mérito de ter composto, pela primeira vez, um tratado científico (mesmo que não sistemático) de princípios econômicos e economia política.

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