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Gazeta do Povo - 29 de outubro de 2001

MARCIO RENATO DOS SANTOS
COLETÂNEA | Economistas políticos reúne textos clássicos inéditos no Brasil

Muito além do economês

Obra traz trabalhos de Adam Smith, Benjamin Franklin e dos enciclopedistas Diderot e D’Alembert, Turgot e David Ricardo

Textos que tratam de economia são difíceis de serem compreendidos, até mesmo por leitores profissionais e especializados. Muitas vezes, tem-se a impressão de que os artigos dos suplementos econômicos são escritos em um idioma alienígena. E a linguagem hermética não é exclusividade do material publicado em jornais e revistas, mas também dos livros específicos da área.
A editora curitibana Segesta surgiu a partir da constatação de que o mercado editorial é carente de obras que, ao mesmo tempo, versem sobre economia e apresentem linguagem simples, sem os jargões do economês. Ano passado, em parceria com a editora paulista Musa, foi publicado o primeiro título, Da moeda, de Ferdinando Galiani. Depois de excelente repercussão de crítica e de público, os sócios da empresa decidiram dar continuidade ao projeto de editar títulos clássicos.
Já se encontra nas prateleiras das principais livrarias do país Economistas políticos, novamente fruto da parceria entre as editoras Segesta e Musa. Este livro reúne 13 textos que ainda não haviam sido traduzidos para o português. O objetivo da edição é apresentar ao público leitor brasileiro o pensamento de um período de transição na sociedade, cujos desdobramentos ecoam até hoje.
No momento em que o feudalismo entrou em crise, uma nova classe começou a se impor por meio do trabalho. A aristocracia emitia sinais de que estava desinteressada do processo produtivo, sem capacidade de propor novos rumos para a sociedade. E quem organizou o imaginário nesse período, do final do século 17 a meados do século 19, foram os economistas políticos — termo utilizado pela primeira vez em 1615. Entre os vários representantes da economia política, foram escolhidos e integram a presente edição Adam Smith, William Petty, Nicholas Barbon, Boisguilbert, Benjamin Franklin, os enciclopedistas Diderot e D’Alembert, Turgot e David Ricardo.
Economistas políticos traz textos curtos, e integrais, que tratam de questões como corporações, valor, dinheiro, cunhagem da moeda, balança comercial. Ou seja: matéria-prima para reflexões sobre questões atuais. E um dos aspectos positivos é a linguagem, simples e de fácil assimilação. A reportagem do Caderno G conversou com Pedro Alcântara Figueira, tradutor e organizador do projeto, e com Andrea Vicentini, um dos sócios da editora Segesta. A seguir, a entrevista exclusiva.

Caderno G — As idéias dos economistas políticos são datadas ou continuam válidas até hoje?

Pedro — As idéias não valem para qualquer época, mas em qualquer época pode-se tirar proveito delas. É por esta razão que estamos publicando textos desses pensadores. O livro que editamos ano passado, Da moeda, de Ferdinando Galiani, tem como fio-condutor a idéia de que a verdadeira riqueza é o homem, não a moeda. A afirmação tinha razão de ser no momento em que foi feita, em 1751, e, ao mesmo tempo, é uma idéia eterna, válida para qualquer período histórico.

No texto “Discurso Acerca da Cunhagem de uma Moeda mais Leve”, Nicholas Barbon discute o tema da balança comercial apresentando pontos de vista que contrastam com aquilo que encontramos na mídia, não é mesmo?

Pedro — Essa idéia de que balança comercial seria a importação de mercadorias estrangeiras em troca de mercadorias exportadas de igual valor é um equívoco. Um país ora é devedor ora credor. E a balança comercial não fecha no final do ano porque a toda hora se compra e se vende. Se a balança comercial brasileira estiver deficitária em cinco bilhões de dólares, não é o estado que terá de pagar, e sim os particulares.

Andrea — Só para ilustrar: os Estados Unidos da América são os maiores devedores do planeta e, se quisessem, poderiam pagar agora mesmo suas dívidas. Mas nenhum país quer receber deles. E eles [os EUA] não vão pagar nunca.

O texto “Agricultor”, dos enciclopedistas Diderot e D’Alambert, pode estabelecer conexões com o momento em que vivemos?

Andrea — Há uma frase linda naquele texto: “Infeliz do país em que o agricultor é, de fato, um homem pobre”. Esta frase pode ser o ponto de partida para uma reflexão sobre o que aconteceu com a agricultura em nosso país recentemente. Ao ser eleito presidente, em 1994, Fernando Henrique Cardoso fez uma declaração dando a entender que os agricultores eram caloteiros e que a agricultura deveria ser destruída. E, realmente, os anos de 1994, 1995 e 1996 foram trágicos para a agricultura brasileira. Quando o governo federal percebeu que o descaso no setor gerou um efeito colateral chamado movimento dos sem-terra, daí ele [o governo FHC] voltou a apoiar a agricultura. Mas o estrago já estava feito. Quanta gente abandonou as áreas rurais nos primeiros anos do governo FHC! Calcula-se que só no Paraná 50 mil famílias desistiram da atividade agrícola. E quando uma família deixa o campo e vai para a cidade, não tem volta. Agora, imagine se o Fernando Henrique Cardoso, que é um homem letrado, um sociólogo, tivesse feito uma reflexão sobre essa frase – “Infeliz do país em que o agricultor é, de fato, um homem pobre”. Pode ser que o MST nem tivesse crescido.

No texto “Sobre as Corporações”, Adam Smith trata da questão dos monopólios, um dos temas mais discutidos neste momento em nossa sociedade. Pegando carona nesse texto, gostaria de saber se, para os senhores, a privatização é um processo inevitável?

Andrea — A presença do estado é fundamental em alguns setores estratégicos, como energia elétrica, petróleo, segurança e ferrovia, uma vez que o estado tem a função de fornecer determinado serviço, e não apenas de obter lucro. E tem mais: o estado faz investimentos a longo prazo, diferente da iniciativa privada, ávida por lucro imediato. Depois que privatizaram a malha ferroviária no Brasil, quantos quilômetros de ferrovia foram construídos? Nenhum! Nos Estados Unidos, privatizaram a segurança dos aeroportos e o resultado foi que apenas colocaram pessoas para fiscalizar sem que houvesse, realmente, garantia de segurança.

Pedro — Houve um tempo em que a estatização interessava à iniciativa privada. Os capitalistas não tinham condições de construir, por exemplo, uma hidrelétrica, mas precisavam de energia. Então, todo o gasto ficou para o estado. Até agora, com exceção do Antônio Ermírio de Moraes [do grupo Votorantim], não se tem notícia de nenhum capitalista que tenha construído uma hidrelétrica em nosso país.

Andrea — A presença do estado em alguns setores é necessária, também, para que haja controle de preço. Agora que as companhias de energia elétrica estão sendo privatizadas, os novos proprietários, da iniciativa privada, certamente irão desvincular o preço da tarifa do trabalho necessário para a produção. Os futuros donos das estatais que geram energia poderão alegar, por exemplo, que falta água, entre outras desculpas, para elevar o valor da tarifa. E como não haverá concorrência, e o estado não estará controlando, o cidadão — o consumidor — terá de pagar o preço que for cobrado.

De qualquer forma, é possível afirmar que a privatização das estatais é um processo irreversível?

Andrea — Quando o capitalista tem lucro, ele não divide. Mas no momento em que há prejuízo, então é necessário pedir socorro ao estado. Claro que a máquina estatal cresceu exageradamente e houve a necessidade de privatizar certos setores. Mas aconteceu uma privatização geral. Acredito que a curto prazo o estado será chamado para socorrer a economia, e algumas companhias que foram, e estão sendo privatizadas, serão novamente reestatizadas.

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