Aristóteles, que sabia muito mais coisas do que a vâ filosofia, afirmava que dinheiro não dá cria. Queria, com isto, dizer que o dinheiro precisa — para crescer e reproduzir-se — de uma energia que não é propriamente sua, mas lhe advém de uma outra força. A força capaz de fertilizar o dinheiro, de torná-lo potente e vivo, é o trabalho humano. Só o trabalho humano é capaz de conferir vitalidade ao dinheiro.
A Editora Segesta publica O escritório avarento, de Francisco Manuel de MeIo, este apólogo do século XVII em que moedas, presas a uma gaveta, conversam entre si. Não se trata, como n'O avarento de Moliére, de descrever uma figura humana que abre mão da vida para acumular tesouros, mas de descrever toda uma sociedade que abre mão daquela que é a sua força motriz, o dinheiro.
O leitor verá que o que estas moedas dizem de si, da história do país em que foram geradas, Portugal, não são frivolidades. Ao contrário. O leitor, que bem sabe que uma história, quando bem contada, sempre fala de nós mesmos, não se surpreenderá ao ouvir estas moedas referindo-se a problemas que lhe são próprios, pois todas as vezes que o dinheiro não consegue realizar um feliz casamento com o trabalho somos nós, os humanos, que padecemos.
Neste apólogo, as moedas refletem sobre as razões pelas quais, em Portugal, o dinheiro foi entesourado, trancafiado e, por isso, não pode sair para comprar trabalho, isto é, crescer e multiplicar-se. Ora, nos dias que correm, nosso pensamento é diariamente martelado com as notícias sobre paraísos fiscais. Por que — nos cabe perguntar — este dinheiro (nem sempre muito limpo) precisa ir entesourar-se desta forma? Por que não cumpre ele a sua sina, de crescer sempre mais, casando-se com o trabalho, ou será que está a considerá-lo inimigo?
O segundo texto que compõe este, volume, Sobre a introdução das artes, de Duarte Ribeiro de Macedo, também ele um autor português, tem um estilo menos literário, mas nem por isso menos profundo. Se Francisco Manuel de MeIo fala das agruras do dinheiro, Macedo investe sobre a necessidade de haver trabalho à venda. É preciso, diz ele, que haja trabalhadores, de um lado, e manufaturas, de outro, para que o profícuo casamento se realize.
Com grandes diferenças de forma, ambos não tratam senão — cada um à sua moda — dos candentes problemas da vida humana.
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